Os Raios Catódicos de Cronenberg
Videodrome é também uma das primeiras tentativas de dar conta dos efeitos da televisão e da nova cultura do vídeo. O Dr. O'Blivion, por exemplo, é uma pura existência midiática, uma vez que ele só tem vida nas fitas de vídeo que restaram de sua obra. A imagem na telinha é um jogo entre dois grupos extremistas, um que deseja remoralizar o mundo matando todos os depravados e outro que quer transformar a carne do homem em uma nova carne. O lema desse grupo é "Long live the new flesh/Viva a nova carne", e as campanhas de educação à nova carne e aos raios catódicos é realizada em um centro cívico de recuperação de mendigos e de emissões de raios catódicos. Nesse clima brutal de alienação pelo vídeo, a resposta de Cronenberg é a mais brutal já feita em seu cinema.
Videodrome
é também uma das primeiras tentativas de dar conta dos efeitos da
televisão e da nova cultura do vídeo. O Dr. O'Blivion, por exemplo, é
uma pura existência midiática, uma vez que ele só tem vida nas fitas de
vídeo que restaram de sua obra. A imagem na telinha é um jogo entre dois
grupos extremistas, um que deseja remoralizar o mundo matando todos os
depravados e outro que quer transformar a carne do homem em uma nova
carne. O lema desse grupo é "Long live the new flesh/Viva a nova carne",
e as campanhas de educação à nova carne e aos raios catódicos é
realizada em um centro cívico de recuperação de mendigos e de emissões
de raios catódicos. Nesse clima brutal de alienação pelo vídeo, a
resposta de Cronenberg é a mais brutal já feita em seu cinema.Mas o que faz a grandeza de Cronenberg é que, pela única vez em sua obra, nos é dada a visão daquele que sofre com o vício. O filme é todo construído a partir do ponto de vista da alucinação, não do que acontece realmente. Daí vermos esguichos de gosma saindo da barriga de James Woods, um vídeo-cassete que é ora inserido ora retirado de uma vulva que nasce em sua barriga, uma fita de vídeo que se transforma em revólver, uma televisão que engole o espectador. Não sabemos o que realmente acontece e o que é imaginação: tudo para o espectador é dado como se tudo que está na tela realmente estivesse acontecendo (e realmente está, do ponto de vista do personagem).
A última seqüência é uma conversa de Nikki, na televisão, já dada como morta, conversando com Max. Ela explica a ele todas as transformações pelas quais ele passou e fala que vai indicar qual é o próximo caminho. Depois de um breve contracampo para o rosto de Max, vemos a câmara se aproximando aos poucos da tevê, e Max vê a si próprio na telinha, com um revólver na mão, que ele eleva até a têmpora, para por fim atirar. Mais um contracampo mostra Max distanciado, com a mesma aproximação da câmara momentos antes. Tal qual na televisão, ele alça o olhar para frente, fixo no espectador, coloca o revólver na têmpora e repete a operação. Em tempos em que a ciência social começou a se aproximar da televisão como instauradora da realidade (Baudrillard, por exemplo), o cinema deu a sua contribuição mais espetacular e apocalíptica à questão, num claro artifício pavloviano de ação-reflexa. Se a primeira metade do século viu a reprodução em massa e a segunda metade viu a repetição em massa (como Godard já mostrou no curta O Novo Mundo), Videodrome aparece como um filme de exceção, que mostra o presente hiperbolizado para que nós possamos nos reconhecer melhor e para que possamos medir nossos atos mais sensivelmente.

por Ruy Gardiner.
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