28 dias, 6 horas, 42 minutos e 12 segundos

por Ricardo Rangel
Que relação poderia ligar entre si um garoto adolescente esquizofrênico, viagens no tempo provocadas por portais abertos no espaço-tempo chamados de worm holes ("buracos de minhoca"), um livro escrito por uma ex-professora secundarista - conhecida como "Vovó Surda" - sobre tais assuntos, um guru fundamentalista que é, na verdade, um falso profeta, um grupo infantil de dança, uma noite de Halloween e um ser fantasiado de coelho que diz ser um viajante do tempo, o qual vem ajudar o já citado garoto (que tem visões do tal coelho, mas não sabe se este é real ou um delírio da sua mente) a salvar o mundo do seu final, além de outras "viagens" de várias naturezas? Aparentemente, nada, ou muito pouco. Pois o genial diretor e roteirista juvenil norte americano Richard Kelly conseguiu uma proeza aos moldes de David Lynch no seu inteligente, curiosíssimo e impressionante filme de estréia, "Donnie Darko", realizado em 2001, e que foi lançado diretamente em vídeo e DVD, sem passagem pelos cinemas.


Aparentemente, uma estratégia proposital esta, de Kelly, a de restringir a distribuição do seu perturbador filme, que se tornou objeto de culto no cinema alternativo americano pela complexidade do roteiro, que, além de reunir todos estes elementos referidos acima, constitui-se em um desafio lógico na sua compreensão, um quebra-cabeças consistente, detentor de uma lógica interna difícil e intrincada, tudo isso permeado por uma trilha sonora doce, suave, nostálgica: um passeio pelas melhores bandas de sucesso dos anos 80, como Echo and the Bunnyman, Joy Division, Tears for Fears (da enigmática música "Mad World", cuja letra tem tudo a ver com o filme, sendo o tema que toca na, talvez, cena principal e mais difícil de ser interpretada), Duran Duran (com a inesquecível balada "Notorius"), The Church, dentre outros.


Aliado a tudo isso, o livro da "Vovó Surda", a ex-professora Roberta Sparrow, cujo título é "A Filosofia da Viagem no Tempo", existe de fato para além do filme, estando disponível na internet, e funciona como uma espécie de roteiro de apoio na tentativa de buscar solucionar os vários enigmas do filme (a personagem Sparrow é fictícia, mas o seu livro é real, e foi escrito também por Richard Kelly, assim como a carta de Donnie Darko para a vovó surda, outro documento fundamental para buscar as possíveis soluções). Percebe-se, assim, uma estratégia de marketing para divulgar o filme mais ou menos no estilo feito de "A Bruxa de Blair", que lançou um site para divulgar os resultados das investigações da procura pelos estudantes de cinema que desapareceram na floresta de Burskitsville, porém no caso de "Blair Witch Project" houve todo um apelo comercial de divulgação e marketing para promover o filme, que se tornou um sucesso de bilheteria por apresentar a proposta de um terror novo, e conseguiu, pois, alem de ser muito bom, surgiu como um produto diferente no mercado. Com "Donnie Darko", entretanto, não houve uma estratégia tão massiva, e nem era intenção dos realizadores tal alarde e propaganda do filme, que graças à produção executiva de Drew Barrymore, que também atua na fita, pôde ser realizado e produzido, sendo sucesso nos meios alternativos, transformando-se num fenômeno em escala menor, à margem da grande indústria hollywoodiana.


"Donnie Darko" imediatamente se converteu numa referência para discussões filosóficas, científicas, místicas e religiosas, e o que é melhor, sem cair em conceitos frouxos ou ridículos, sem embasamento: há coerência na história, o roteiro é genialmente bem construído por Kelly, conservando o ar de mistério, de enigma oculto no ar, e todas as explicações, até mesmo aquelas mais fantasiosas e talvez um pouco inverossímeis, dependendo da interpretação, tem fundamento científico. A metafísica que resulta daí não é nem um pouco carente de conteúdo e fraca, muito pelo contrário, leva a questões profundas sobre temas como, por exemplo, destino, acaso, determinação, revelação, além de levantar questões éticas e psicológicas bastante curiosas.


O protagonista Donnie Darko (interpretado de forma brilhante, espantosa e convincente pelo jovem ator Jake Gyllenhaal), filho de Eddie e Kitty Darko, irmão de Elizabeth (Maggie Gyllenhaal, irmã de Donnie no filme e de Jake na vida real) e Samantha, é, aparentemente, um adolescente com problemas como qualquer outro: rebelde e com problemas de relacionamento. Só que ele sofre de esquizofrenia e de alucinações em plena luz do dia, tendo que tomar pílulas antidepressivas para evitar esses delírios. Esse parece ser um ponto de partida que já pode confundir a mente do espectador, pois haverá sempre uma dúvida, das tantas que o filme incita, se tudo (ou quase tudo) que acontece é, de fato, "real" ou um grande delírio de Donnie (como um sonho, por exemplo). Até pode fazer algum sentido fazer essa leitura em certos momentos e sob determinadas perspectivas, mas olhar o filme todo assim parece uma rendição a uma espécie de "explicação forçada" para os fenômenos, indo de encontro a uma certa falta de argumentação, e o que se pretende aqui, neste breve comentário, é proceder uma tentativa de análise argumentativa, que dê conta dos fatos, fornecendo para isso determinadas interpretações.


O filme inicia da mesma maneira que termina, de certa forma, com um fato emblemático e que vai pontuar toda a trama: num acidente bizarro e surreal, uma turbina de avião desprende-se do veículo e cai em cima da casa da família Darko, mais especificamente no quarto de Donnie. O inusitado acidente deveria (aqui, em uma interpretação determinista dos eventos) ter matado o garoto, mas não é isso que acontece (aparentemente): na noite da tragédia, no dia 2 de outubro de 1988, que é a época que se passa a história, Donnie, que também sofre de sonambulismo, é acordado por uma voz, e vai até o pátio da casa, quando se defronta com um coelho gigante à sua espera, que enigmaticamente diz a ele: "28 dias, 6 horas, 42 minutos, 12 segundos... é o tempo que falta para acabar o mundo". Na seqüência, Darko acorda no dia seguinte em um campo de golfe, de pijama, e quando retorna para casa, esta já fora destruída pela queda de uma turbina de avião (detalhe: esse tempo, a contagem dos chamados 28 dias, 6 horas, 42 minutos e 12 segundos, a contar do dia 2, cairá no dia 31 de Outubro, noite de Halloween, que tem uma relação direta com tudo que virá a acontecer). Ou seja, Don, de alguma forma ainda obscura, conseguiu "enganar" a morte, pois supostamente ele foi acordado pela voz do coelho Frank (posteriormente, este irá "se identificar" para o jovem), que o avisou, indiretamente, da tragédia. Mas, o que seria esse tempo que faltaria para acabar o mundo? Um delírio de Donnie, ou algo real, que estaria prestes a acontecer? Isso é bastante nebuloso, aliás, como quase tudo, em "Donnie Darko", onde nada é o que parece ser, a princípio.


A partir deste acidente, ponto de partida para tudo que se sucede, fatos aparentemente sem relação alguma uns com os outros vão se enredando numa teia de acontecimentos encadeada e complexa, sempre intermediados pelas aparições extemporâneas de Frank para o protagonista, onde o misterioso coelho parece manipulá-lo, exercendo sobre o mesmo uma espécie de influência sinistra. Todas as pessoas que fazem parte do "mundo" de Donnie (talvez, aqui, literalmente) estão, de alguma maneira, envolvidas na sua grande viagem, que também pode ser o rumo de todo o universo, de todo o mundo propriamente dito, ou de algum universo em particular. Aqui que entra talvez a questão mais fundamental no contexto, que é a viagem no tempo através dos "buracos de minhoca" (worm holes), hipótese teórica esta prevista pela Teoria da Relatividade de Einstein, a qual afirma, digamos de forma bastante reduzida, que é possível passar de um local do universo a outro tomando-se um "atalho" pela estrutura métrica do espaço-tempo, sendo este caminho curto chamado de "buraco de minhoca". Com isso se viajaria no tempo, ou melhor, no espaço-tempo.


A partir do próximo parágrafo, começa a se discutir aspectos fundamentais para o desvelamento do filme. Se você não o assistiu, retorne a este artigo depois de fazê-lo.


No filme, a queda da turbina parece ser um indício forte de que, de alguma forma desconhecida, foi aberta uma fenda no espaço-tempo, e com isso um portal foi criado, uma espécie de passagem de um universo para outro, na hipótese científica de existirem universos paralelos, ou até de um mesmo universo. Donnie era, seguindo o curso natural dos eventos e a lei da causalidade no determinismo, para morrer neste universo, mas uma vez que o portal foi aberto, ele miraculosamente sobrevive (outra viagem aqui, a respeito da profecia, mas esta será explorada mais tarde), daí seguindo-se logicamente (como se "Donnie Darko" fosse lógico, meu Deus do céu!!!) duas hipóteses (pelo menos): ou Donnie morreu, de fato (?), "neste" universo, e isso tudo ocorreu em um outro cosmo, outra realidade, ou ele sobreviveu e houve uma violação da causalidade pelo evento da queda da turbina, que cria um caos, uma bagunça a toda ordem natural das coisas, dos fatos do mundo (apenas deste?). Mas isso poderia ser um argumento fraco. No livro "A Filosofia da Viagem no Tempo", de Roberta Sparrow (a "Vovó Surda"), algumas explicações são dadas, e elas se baseiam especialmente na hipótese da criação dos chamados "universos tangentes", que têm uma curta duração (no caso, os tais 28 dias, 6 horas, 42 minutos e 12 segundos referidos), e que envolvem também o universo "real", este nosso mundo, no caso (clique aqui para ver a versão original deste livro).


O objeto que viajou no tempo em "Donnie Darko" foi a própria turbina de avião, que veio do futuro, e causou um rompimento na barreira entre os dois universos, tornado este nosso cosmo real o próprio cosmo tangente, que irá acabar nesses 28 dias, colocando fim não apenas ao universo tangente, mas também ao universo real, então, o fim da própria existência. No livro de Roberta Sparrow, é explicado como um objeto viajante no tempo (que seria uma anomalia criada) pode provocar um rompimento na barreira do espaço-tempo, criando com isso um universo paralelo tangente, de duração efêmera. Quem for o receptáculo do objeto, no caso a turbina, tem um certo dever moral implícito de fazer com que ela volte para o seu "lugar" no espaço-tempo, que seria no futuro, nesse intervalo temporal da duração do universo tangente, com vistas a preservar a causalidade e a estabilidade do universo, salvando, com isso, o mundo da destruição, do fim, do colapso da existência em si mesma. Esse seria, supostamente, o papel de Donnie Darko como receptor da turbina, um objeto vindo do futuro, que causou a abertura do portal e a criação do universo tangente, supostamente o local onde ocorrem todos os eventos e fatos do filme (à exceção do início e do final, que seriam justamente a entrada da turbina por essas bandas e a sua volta ao seu local de origem no espaço-tempo, fechando com isso o círculo e o próprio buraco de minhoca).


No livro de Roberta, há citação também sobre os manipulados, dos quais haveriam os manipulados vivos e aqueles mortos. Todas as pessoas do círculo de relacionamentos de Donnie seriam os manipulados vivos (sua família, os professores do colégio - como a prof. Karen (Drew Barrymore) e o prof. de Física, com o qual Donnie mantém conversas sobre viagens no tempo e o livro de Roberta Sparrow - , Gretchen (Jena Maloney), sua namorada, que ele conhece no universo paralelo, e que vai ter um papel importante em tudo, pois será uma espécie de garantia de que Donnie vai fazer tudo para o círculo se fechar, além de Jim Cuningham (Patrick Swayze), o falso profeta que é desmascarado por Darko), enquanto o coelho Frank é o manipulado morto, que faz com Donnie realize todos os desígnios necessários para fazer a turbina voltar no tempo e fechar o círculo, salvando com isso a vida de pessoas queridas próximas a ele, como a própria Gretchen (a qual, por essa interpretação, existe em ambos os universos, mas conhece Donnie apenas no tangente, pois será uma garantia para este fazer tudo o que dele se pede, manipulado por Frank; no universo real, a garota não conhece Don nem ninguém da família Darko, mas que, após o acidente manifesta uma certa condolência com tudo, e isso certamente não é gratuito), a sua mãe e a sua irmã Samantha, quando voltam para casa no vôo em que a turbina se desprende e viaja no tempo (isso seria mais uma garantia), assim como de Elizabeth, na festa de Halloween (que é o deadline, na iminência do fim do mundo, do universo tangente efêmero, noite de 31 de Outubro de 1988, fechando assim o ciclo iniciado em 2 de Outubro de 1988, na madrugada que a turbina cai no quarto do sujeito). Esta última talvez se justifique pela própria existência da festa, motivo de comemoração da sua entrada na Universidade, a qual precisava ter acontecido para Donnie ter conhecido Frank, que é na verdade o namorado oculto de Elizabeth, e tê-lo matado com um tiro no olho, mais uma garantia de que tudo iria se fechar. Mas aqui fica uma dúvida também: se Frank era um manipulado morto no tal universo tangente, então como ele estava vivo antes de ser assassinado, com a fantasia de coelho, por Donnie? Só se ele já assim estava, e morreu duas vezes nesse universo tangente, o que é uma baita duma viagem! Enfim, a não ser que a própria causalidade tenha sido violada no universo tangente e, visto de trás para frente, Frank teria morrido no final do tempo decorrido em tal mundo, os tais 28 dias e etc., que na verdade seria o início, se ele for mesmo um manipulado morto, mas aí seria mais viagem ainda!


Outra possibilidade, a qual não está no livro da Roberta Sparrow, seria a do coelho ser, ele próprio, um viajante do tempo, que veio para avisar Donnie da queda da turbina e para manipulá-lo para o círculo se fechar; mas aí a tal turbina também teria viajado no tempo, ou apenas Frank, para avisar Donnie e controlá-lo? Questão em aberto, como muitas outras, aliás. Frank também poderia ser um habitante efêmero desse universo tangente, na hipótese deste ter sido aberto mesmo como está no livro da "Filosofia da Viagem no Tempo", e com isso manipular o garoto. Também pode o próprio Donnie ser um viajante do tempo, que foi junto com a turbina, ter presenciado o fim de tudo, e voltou para salvar o mundo, assim como Frank ser uma manifestação inconsciente sua, uma espécie de artifício do além para forçá-lo a cometer os atos que realiza (como colocar fogo no calabouço pornô no colégio e desmascarar Jim, o falso guru, ou inundar a própria escola para poder conhecer Gretchen, isto tudo formulado por Frank, claro, que, como já foi dito, terá papel decisivo em tudo).


Enfim, interpretações para além das dadas por Roberta Sparrow no seu livro são também válidas, pois o que acontece parece ser o resultado prático da confirmação das teses do livro (a realidade que imitaria a ficção dentro do filme, ou a ficção dentro da ficção para a nossa perspectiva, ou ainda a realidade da realidade parecendo ficção, mas também realidade, numa viagem maior ainda, e sem fim!), visto que, mesmo com essas explicações (ou tentativas destas), há ainda pontos bastante obscuros e em aberto. A sensação de "déjà vu" na penúltima cena, aquela que tem ao fundo "Mad World" do Tears for Fears, em que cada um dos personagens vão aparecendo numa seqüência, é das mais difíceis de interpretar, e Richard Kelly a esclareceu. Ele a definiu como um "déjà vu", devido a representar como se todos estivessem acordando de um sonho, parecendo que teriam vivido tudo aquilo (surgem todos acordando, e com as mais diversas reações), mas também pode ser encarada como uma revelação, em que cada um se dá conta da viagem que fez parte todo esse tempo, a saber, os 28 dias, 6 horas, 42 minutos e 12 segundos do universo paralelo tangente no qual todos interagem (proposital e curiosamente, o filme foi rodado em 28 dias... é mesmo um gênio esse Kelly!).


Um aspecto a se destacar é a faceta anti-apocalíptica e profética de Donnie, que pode ser visto como um messias que vai salvar o mundo: suas angústias, a preocupação de dar aos seus amigos e a sua família uma vida melhor (evidentemente, fora do universo paralelo tangente efêmero no qual tudo supostamente se passa), as metáforas de Kelly ao procurar explorar isso com um simbolismo imagístico (a cena de Donnie e Gretchen no cinema, que seria a última sessão da existência, para assistirem a "Evil Dead: A Morte do Demônio" e "A Última Tentação de Cristo" certamente não é gratuita e contém em si esse simbolismo da salvação, de se ver Donnie como o próprio Cristo, que vai resgatar o mundo do seu final niilista com a sua morte, que deveria acontecer pela queda da turbina, independente de ser esta uma artefato que viajou no tempo ou não e o vitimou fatalmente: ele próprio diz, no final, que quer entender tudo, e espera que tudo tenha sido ficção ou um sonho. A sua angústia é revelada de forma gradual e terna. Ele acha que está, finalmente, "indo para casa", ao contemplar a nuvem negra formada pelo furacão do fechamento do portal que leva a turbina de volta para o seu lugar no tempo e a ida de Donnie para o seu lugar, que é no céu, o paraíso, surge como recompensa por ter salvado o mundo do fim, seguindo "o caminho de Deus", nas suas palavras, que também se encontram no livro da Roberta Sparrow. Isto se soma ao fato de ter enfrentado e desmascarado o falso pastor, pseudo-profeta Jim Cuningham, que representa a figura do Anticristo com o seu discurso manipulador e hipócrita).


Com a ajuda do seu amigo oculto, o coelho Frank, seja lá ele quem for, que, ao ser perguntado por Donnie por quê usa uma fantasia de coelho, responde enigmaticamente para D. Darko porque este está fantasiado de homem, numa clara alusão ao fato do rapaz, a essas alturas da sua viagem, já não ser mais humano, assim como Frank, e de ser algo como meio homem, meio Deus, o salvador do mundo. No início da trama, a figura do coelho gigante pode parecer representar o mal, algo ruim que veio do além, do futuro ou sabe-se lá de onde, mas pode ser o alter-ego de Donnie, a sua outra face, e que outrem tomou a forma do Frank, namorado de Elizabeth, o qual matou Gretchen atropelada e precisava, no entender de Don, morrer (ou deixar de existir naquela realidade). Darko teria usado a figura fantasiada de coelho como mais uma metáfora de Richard Kelly, e aqui não poderia deixar de se pensar no coelho da protagonista de "Alice no País das Maravilhas", do genial escritor, matemático e lógico inglês Lewis Carrol, que acompanha a menina nas suas loucas e lisérgicas aventuras pelo seu mundo encantado e por vezes assustador: no paralelo traçado, Donnie é a Alice, na sua viagem alucinante, Frank, o coelho, e o universo paralelo tangente de 28 dias, 6 horas, 42 minutos e 12 segundos seria o "país das maravilhas", aqui mais para um "mad world" (mundo louco) que precisa ser salvo e ter seu fim evitado, com todas as implicações que isso quer dizer.


"Donnie Darko", após essa breve viagem e passeio delirante, é tudo isso, e muito mais: na sua sinopse resumidíssima, diz, ao final: "esqueça tudo que você já viu sobre o além.". Essa afirmação deve ser levada muito a sério, pois é isso mesmo: nunca o "além" foi tratado no cinema de maneira tão inteligente, intrigante, instigante e surreal, emaranhada em um quebra-cabeças de dificílima resolução, que apresenta as suas peças por aí, mas nem todas à disposição: há que se procurá-las incansavelmente. A sua montagem é um desafio lógico, que motiva, tendo sido comparado a "Cidade dos Sonhos" ("Mulholland Drive"), de David Lynch, pela sua complexidade e certa não-linearidade da trama, embora sejam filmes completamente diferentes, com temáticas bem distintas (em "Donnie Darko" há uma certa vantagem, digamos assim: Richard Kelly procurou, em declarações, dar uma explicação para tudo, diferentemente do mestre Lynch, que deixa tudo em aberto, o que também é um trunfo, só que de outra natureza. As explicações de Kelly ajudam a desvendar, pelo menos em parte, as obscuridades do filme, e não são elas fechadas: podem ser objetadas e se oferecer interpretações alternativas e consistentes para tudo. Seus aspectos psicológicos dão margem à profundas reflexões, numa outra ótica sobre o filme, que não explorarei aqui simplesmente por não ter capacidade e ferramenta para tanto (como já referi indiretamente, penso ser possível analisar e defender um ponto de vista de se fazer uma leitura estritamente psicológica de "Donnie Darko", independente das questões da ficção científica e outras que foram rasamente abordadas aqui; mas essa é uma tarefa tão hercúlea quanto a que tentei empreender neste texto, e deve ser tratada em um outro artigo, tendo que se realizar uma pesquisa fina sobre o tema). Espero, em outra oportunidade, e sem que isso se torne uma imensa digressão, continuar a explorar as inúmeras facetas deste filme, uma verdadeira obra-prima da mais recente cinematografia independente norte-americana. Que Donnie Darko e o coelho viajante do tempo(?) Frank estejam sempre conosco, permitindo-nos fascinantes jornadas.


DONNIE DARKO (2001)
Direção: Richard Kelly.
fonte: www.cinerevista.com.br

Postagens mais visitadas deste blog

O Valor de Pi

Mitologia Tupi-Guarani

Como a proporção áurea, ou os números de Fibonacci, se expressam na natureza?