Cultivando a Mediocridade

“Não faças nunca depender a tua felicidade de algo que não dependa de ti.”
Huberto Rohden


Meu ignoto amigo. Se quiseres ser impenitente cultor da rotina e mediocridade, guia-te pelas normas seguintes:

Antes de pensar, informa-te sempre o que deve ser pensado, a fim de não introduzir no mundo o contrabando de ideias novas.

Não penses nunca com o próprio cérebro — mas sempre com a cabeça dos outros.

Dize sempre sim quando os outros dizem sim — e não quando os outros dizem não.

Lê cada manhã, ao café, o teu jornal, para saberes o que deve ser pensado naquelas 24 horas.

Quando vier alguém com ideias novas, evita-o como um perigo social e tem-no em conta de herege e demolidor.

Não te exponhas ao perigo de fazer o que o vizinho não faz — mas lembra-te da comprovada sapiência burguesa: o seguro morreu de velho.

Sê amigo dedicado da tua tépida poltrona — e não te exponhas a vertigens de vastos horizontes.

Prefere sempre as paredes maciças dum cárcere e as grades duma gaiola às incertezas dum vôo estratosférico.

Não abras nunca portas fechadas — abre tão somente portas abertas.

Não explores caminhos novos, como os bandeirantes — anda sempre por estradas batidas e sobre trilhos previamente alinhados.

Vai sempre com o grosso do rebanho, como os bons carneiros — e não procures caminho à margem da rotina geral.

Em suma, meu insigne cultor da mediocridade: Deixa tudo como está para ver como fica.

Destarte, conservarás a saúde e a tranqüilidade dos nervos e poderás tomar, cada dia, com sossego, teu chope ou coquetel — e passar por homem de bem.

* * *

Se, porém, resolveres, um dia, sair da rotina tradicional e expor-te ao perigo mortífero dum ideal superior, então lê com atenção o que te diz um homem que conhece a vida:

Vai às margens do Ganges e pede ao mais robusto dos elefantes que te ceda a sua pele paquidérmica, para com ela revestires a tua alma.

Vai as praias do Nilo e arranca ao mais velho dos crocodilos a sua impenetrável couraça e faze dela o invólucro do teu coração.

Senta-te aos pés de mestre Zenon, rei dos Estóicos, e pede que te ensine à filosofia de ser pedra in bloco de gelo, cadáver ambulante, indiferença absoluta.

E, depois de assim encouraçares a tua alma, sai por este mundo afora e dize aos homens da honesta mediocridade que vives por um ideal que não está no estômago, nem nos nervos nem no sangue — e verás que eles te declararão guerra de morte.

Pois, deves saber, meu amigo, que o mundo não sacrifica um só ídolo por um ideal.

Desde que o mais arrojado idealista da história foi crucificado, morto e sepultado — são todos os idealistas crucificados pelos culto da mediocridade.

Nada de grande acontece no mundo sem que o mundo se revolte.

Tudo que é belo e grande — acaba fatalmente entre os braços da cruz.

É esta a gloriosa tragédia dos homens superiores.

Retirado do livro: De alma para alma

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