O Rei do Inverno

(...)Artur afastou o capuz do rosto. Andava com passos largos e firmes e eu tinha de me apressar para conseguir acompanhá-lo.

- Qual pensa que é o trabalho de um soldado, Derfel? - perguntou-me daquela forma íntima que nos fazia sentir que ele estava mais interessado em nós do que em qualquer outra pessoa do mundo.

- Combater em batalhas, meu Senhor - respondi. Ele abanou a cabeça.

- Combater em batalhas, Derfel - corrigiu-me - em nome das pessoas que não podem lutar por elas próprias. Aprendi isso na Bretanha. Este mundo miserável está cheio de pessoas fracas, pessoas sem força, pessoas esfomeadas, pessoas tristes, pessoas doentes, pessoas pobres e a coisa mais fácil do mundo é desprezar os fracos, especialmente quando se é soldado. Se for um guerreiro e quiser a filha de um homem, se apodera dela; se quiser a terra desse homem, mata-o. Afinal você é um soldado e tem uma lança e uma espada e ele é apenas um homem fraco e pobre, com uma charrua partida e um boi doente... sim, o que é que pode te impedir?

Não esperava resposta para a pergunta, limitou-se a continuar andando em silêncio. Tínhamos chegado ao portão oeste e as escadas de toros rachados que levavam à plataforma sobre o portão estavam ficando brancas com a geada. Subimo-as lado a lado.

- Mas a verdade, Derfel - disse Artur quando chegamos à alta plataforma - é que nós só somos soldados, porque o homem fraco nos faz soldados. Ele cultiva o cereal que nos alimenta, ele curte o couro que nos protege e ele corta os freixos com que se fazem as hastes das nossas lanças. Devemos-lhe o nosso serviço.

- Sim, meu Senhor - disse eu, olhando com ele para a interminável extensão de planície à nossa frente. A noite não estava tão gélida como a noite em que Mordred nascera, mas estava muito fria e o vento tornava-a ainda pior.

- Todas as coisas têm um propósito - disse Artur - até mesmo ser soldado.

Sorriu, como se pedindo desculpas por ser tão sincero; no entanto não precisava se desculpar, pois eu aprendia muito com as suas palavras. Eu sonhara ser um soldado por causa da alta posição social de um guerreiro e porque sempre me parecera que era melhor pegar uma lança do que um ancinho, mas eu nunca pensara em mais nada senão nessas ambições egoístas. Artur pensara muito mais e trouxe para Dumnónia uma visão clara de onde a sua espada e a sua lança deviam levá-lo.

Trecho do livro "O Rei do Inverno" de Bernard Cornwell

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