Moby Dick

"Oh, clareiras gramíneas! Oh, infinitas paisagens da alma, eternamente primaveris; em vós – embora por longo tempo crestados pela secura mortal da vida terrena –, em vós os homens podem ainda revolver-se, como cavalos novos no trevo recente e matinal, e, por uns poucos momentos flutuantes, sentir imortal, neles, o fresco orvalho da vida. Quisesse Deus que durassem essas benditas calmas! Mas os fios da vida, misturados e a misturar-se, são tecidos com urdidura e trama: calmas atravessadas por tempestades, uma tempestade para cada calma. Não há nesta vida uma caminhada firme, isenta de retrocessos; não avançamos por gradações fixas, com uma pausa no fim: através do encanto inconsciente da infância, da fé descuidada da puerícia, da dúvida da adolescência (a sorte comum), depois do ceticismo, depois da descrença, para pausar, por fim, na virilidade, no meditativo repouso do “se”. Mas, tendo feito o caminho, recomeçamos o circuito: e somos crianças, meninos e homens, e “ses”, eternamente. Onde se estende o ancoradouro final, de que não mais zarparemos? Em que extasiante éter navega o mundo, do qual o mais cansado jamais se cansará? Onde se ocultou o pai do enjeitado? Nossas almas são como aqueles órfãos cujas mães, não casadas, morrem ao dá-los à luz: o segredo de nossa paternidade jaz-lhes no túmulo, e neste devemos descobri-lo."

"Para começar: aí está Áries, ou o carneiro – tipo luxurioso, ele nos gera; depois Taurus, o touro – ele nos acomete, antes de tudo; depois Gemini, ou os gêmios – isto é, a virtude e o vício; tentaremos alcançar a virtude quando, repare! Vem Câncer, o caranguejo, e nos arrasta para trás; e aqui, afastando-se da virtude, Leo, um leão rugidor, deita-se no caminho, dá algumas mordidas ferozes e, de mau humor, uma patada leve; livramo-nos, e saudamos Virgo, a virgem, que é o nosso primeiro amor; casamo-nos e pensamos estar felizes sempre, quando de súbito vem Libra, ou a balança: a felicidade é pesada no prato e mostra-se de menos; e enquanto nos entristecemos muito com isso, senhor! Como damos um repentino pulo, quando Scorpio, ou o escorpião, nos ferroa por detrás; estamos cuidando das feridas, quando por toda a volta sibilam as setas: Sagitarium, ou o arqueiro, está-se divertindo. Quando tiramos as flechas, saia do caminho! Aqui está o aríete, Capricornus, ou a cabra; em pleno combate ela vem impetuosa e somos atirados de ponta-cabeça; quando Aquarius, ou o aguadeiro, verte todo seu dilúvio e nos submerge; e para concluir dormimos com Pixes, ou os peixes. Eis aí um sermão, escrito no alto dos céus; o sol o percorre todos os anos e contudo sai dele ativo e bem disposto."
Trechos do livro: Moby Dick
de Herman Melville

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