Visões da Aldeia Global pt3: Gibson – Comunicação Global Sim, Mas Com Ruído
Alienação é uma das palavras-chave para se compreender o universo supertecnológico criado por William Gibson em suas histórias. Desde contos como Johnny Mnemonic (1981), em que o personagem-título é na verdade um misto de yuppie com ciborgue, mais preocupado em apresentar um bom desempenho nos negócios (no seu caso, transferência de dados através de um disco rígido implantado em seu cérebro) do que com as conseqüências morais ou mesmo puramente físicas de seus atos, até a recente “Bridge Trilogy” (composta pelos romances Virtual Light, Idoru e All Tomorrow’s Parties), Gibson descreve uma realidade que é a epítome do pós-moderno, dentro da qual se movimenta como ninguém: o universo cyberpunk.
Embora fruto de um movimento, criado no começo da década 1980 com outros autores*, a visão de mundo cyberpunk foi melhor definida por Gibson em Neuromancer: o melhor e o pior dos mundos possíveis; o charme das tecnologias do mais alto nível convivendo numa nem sempre agradável simbiose com a sujeira punk das ferramentas obsoletas e maquinário sucateado. A reinvenção, ou, para utilizarmos um termo pós-moderno, o sampleamento de velhas técnicas para quem não tem dinheiro para pagar os confortos da sociedade futura. O mundo cyberpunk é um mundo dividido (mal) entre os muito ricos, que dispõem de acesso fácil à comunicação instantânea universal e os muito pobres, os mendigos e loucos da aldeia global, que lutam nos subterrâneos por esse acesso, criando tribos e subculturas que trocam informações entre si sem parar, fomentando guerrilhas midiáticas não muito diferentes das que vemos atualmente (vide as atividades recentes dos coletivos Luther Blissett e Wu-Ming, na Itália). É a aldeia global possível.
Quando Gibson concluiu Neuromancer, em julho de 1983, a Internet havia sido criada exatamente seis meses antes – em 1o. de janeiro, a ARPANet migrou para o protocolo TCP/IP, dando origem à rede mundial de computadores. Mas a World Wide Web, que só seria criada em 1990, não passava de mera especulação – assim como o ciberespaço vislumbrado por Gibson. Mas o fator humano já estava lá – o espírito punk de “no future”, tomado de empréstimo dos ingleses e metamorfoseado para as necessidades de um possível século XXI, onde quem tem tecnologia (ou domina o seu uso, seja oficialmente, como as megacorporações, seja subterraneamente como o grupo pós-hacker dos Panther Moderns, que cria sua própria tecnologia ou sucateia a já existente) tem tudo, e quem não a possui é um pária. Ou seja, não só não há justiça social como não há futuro no futuro.
As grandes guerras podem até ter acabado no mundo de Neuromancer, mas deixaram profundas seqüelas em níveis macro e microeconômicos, e a sociedade não parece ter aprendido com os erros do passado. É uma aldeia malgré elle même, parafraseando Moliére. Mais ou menos como o mundo em que vivemos.
Gibson exerce uma função profética bastante semelhante à de McLuhan ao criar o conceito de aldeia global em Understanding Media. E, entre os escritores de ficção científica, é ele quem parece ter melhor compreendido que o McLuhan quis dizer, criando em Neuromancer um mundo praticamente todo interconectado, onde as minorias têm vez e voz (a um ponto tal que coloca talvez até mesmo em discussão a definição de minorias) e as casas dessa aldeia são regidas acima de tudo pelo paradigma da variedade. Ninguém é igual a ninguém, ou por outra: em termos de posse e utilização de tecnologias, uns são mais iguais que outros.
Embora fruto de um movimento, criado no começo da década 1980 com outros autores*, a visão de mundo cyberpunk foi melhor definida por Gibson em Neuromancer: o melhor e o pior dos mundos possíveis; o charme das tecnologias do mais alto nível convivendo numa nem sempre agradável simbiose com a sujeira punk das ferramentas obsoletas e maquinário sucateado. A reinvenção, ou, para utilizarmos um termo pós-moderno, o sampleamento de velhas técnicas para quem não tem dinheiro para pagar os confortos da sociedade futura. O mundo cyberpunk é um mundo dividido (mal) entre os muito ricos, que dispõem de acesso fácil à comunicação instantânea universal e os muito pobres, os mendigos e loucos da aldeia global, que lutam nos subterrâneos por esse acesso, criando tribos e subculturas que trocam informações entre si sem parar, fomentando guerrilhas midiáticas não muito diferentes das que vemos atualmente (vide as atividades recentes dos coletivos Luther Blissett e Wu-Ming, na Itália). É a aldeia global possível.
Quando Gibson concluiu Neuromancer, em julho de 1983, a Internet havia sido criada exatamente seis meses antes – em 1o. de janeiro, a ARPANet migrou para o protocolo TCP/IP, dando origem à rede mundial de computadores. Mas a World Wide Web, que só seria criada em 1990, não passava de mera especulação – assim como o ciberespaço vislumbrado por Gibson. Mas o fator humano já estava lá – o espírito punk de “no future”, tomado de empréstimo dos ingleses e metamorfoseado para as necessidades de um possível século XXI, onde quem tem tecnologia (ou domina o seu uso, seja oficialmente, como as megacorporações, seja subterraneamente como o grupo pós-hacker dos Panther Moderns, que cria sua própria tecnologia ou sucateia a já existente) tem tudo, e quem não a possui é um pária. Ou seja, não só não há justiça social como não há futuro no futuro.
As grandes guerras podem até ter acabado no mundo de Neuromancer, mas deixaram profundas seqüelas em níveis macro e microeconômicos, e a sociedade não parece ter aprendido com os erros do passado. É uma aldeia malgré elle même, parafraseando Moliére. Mais ou menos como o mundo em que vivemos.
Gibson exerce uma função profética bastante semelhante à de McLuhan ao criar o conceito de aldeia global em Understanding Media. E, entre os escritores de ficção científica, é ele quem parece ter melhor compreendido que o McLuhan quis dizer, criando em Neuromancer um mundo praticamente todo interconectado, onde as minorias têm vez e voz (a um ponto tal que coloca talvez até mesmo em discussão a definição de minorias) e as casas dessa aldeia são regidas acima de tudo pelo paradigma da variedade. Ninguém é igual a ninguém, ou por outra: em termos de posse e utilização de tecnologias, uns são mais iguais que outros.
Conclusão: O Presente – Nem Isto Nem Aquilo
A Internet e a sua interface gráfica, a World Wide Web, estão evidentemente muito mais para os sonhos de William Gibson do que os de Arthur C. Clarke – mas o ciberespaço, a realidade consensual tal como imaginada por Gibson ainda não existe, e talvez nunca venha a existir.
A Web é a terceira margem do rio que corta a aldeia global de McLuhan. Ela ainda está apenas no começo de suas possibilidades – que já estão sendo discutidas por escritores da chamada segunda geração cyberpunk, como Neal Stephenson, em Snow Crash, e por Bruce Sterling, antigo parceiro de Gibson, que acabou se tornando o ideólogo dos cyberpunks e de uma nova geopolítica tecnológica, discutida tanto sob a forma de ficção (como em Zeitgeist, de 1999) quanto sob a chancela bastante interessante da não-ficção em seu recém-lançado Tomorrow Now – numa tradução literal para o português, O Amanhã Agora. Um amanhã cuja única certeza é que ele não será jamais aquele que imaginamos em nossos sonhos, mas que Clarke e Gibson, de maneiras bem diferentes, ajudaram a moldar. Com as bênçãos de Marshall McLuhan.
A Web é a terceira margem do rio que corta a aldeia global de McLuhan. Ela ainda está apenas no começo de suas possibilidades – que já estão sendo discutidas por escritores da chamada segunda geração cyberpunk, como Neal Stephenson, em Snow Crash, e por Bruce Sterling, antigo parceiro de Gibson, que acabou se tornando o ideólogo dos cyberpunks e de uma nova geopolítica tecnológica, discutida tanto sob a forma de ficção (como em Zeitgeist, de 1999) quanto sob a chancela bastante interessante da não-ficção em seu recém-lançado Tomorrow Now – numa tradução literal para o português, O Amanhã Agora. Um amanhã cuja única certeza é que ele não será jamais aquele que imaginamos em nossos sonhos, mas que Clarke e Gibson, de maneiras bem diferentes, ajudaram a moldar. Com as bênçãos de Marshall McLuhan.
Fonte: GHREBH - http://revista.cisc.org.br
Comentários