Visões da Aldeia Global pt1: Clarke – Comunicação Limpa e Sem Obstáculos

Autor, entre outros livros, de Encontro com Rama e A Cidade e as Estrelas, Clarke é conhecido como criador de mundos fantásticos e utópicos. Contudo, o que pouca gente sabe é que este inglês radicado no Sri Lanka, além de escritor, é físico e matemático, e contribuiu ele próprio com a ciência ajudando a desenvolver o radar durante a Segunda Guerra Mundial e criando em 1945 o conceito do satélite de órbita geoestacionária, que revolucionaria as comunicações em escala global.
Talvez por isso, antes de William Gibson, nenhum outro escritor tenha se interessado tanto pela idéia de comunicação instantânea universal. Em diversos de seus livros de ficção, como Terra Imperial e 3001 – a Odisséia Final, ele descreve sociedades em que todos os habitantes do globo estão interligados constantemente, e em obras de divulgação científica, como Um Dia na Vida do Século XXI, escrito em 1986, conceitos como e-learning (educação à distância) e teleconferências utilizando realidade virtual são descritos como lugares-comuns em 2019.
É nesse livro, aliás, que Clarke deixa clara sua afinidade com as idéias de McLuhan, ao citar parte de um discurso que realizou em 1983 na Organização das Nações Unidas, no Dia Mundial das Telecomunicações:
A tão anunciada Aldeia Global já está quase conosco, mas durará apenas um breve momento na história da humanidade. Antes de percebermos que chegou, será suplantada – pela Família Global.
A idéia de Família Global, uma extensão do conceito de McLuhan, parece evocar uma sensação de belonging, de pertencimento, a um grupo unido e fechado, que convive em harmonia e protege seus membros – uma visão de mundo coerente com o momento histórico em que Arthur C. Clarke (nascido em 1917) foi criado. Hoje, num mundo no qual, entre muitas outras noções, o conceito de família começa a ganhar contornos mais fluidos, as palavras de Clarke parecem transmitir uma mentalidade ainda ligada de modo inconsciente ao passado. Como Bruce R. Powers observa no prefácio a The Global Village – Transformations in World Life and Media in the 21st Century, “as pessoas passam suas vidas criando simulações razoáveis do que foi feito na era precedente. (...) O homem do século dezenove vivia na Renascença. Nós vivemos no século dezenove.” Depois do advento da Web e da nova economia global, essa afirmação de Powers pode estar datada, mas ainda fazia sentido na época do discurso de Clarke – assim como na época em que ele escreveu a maioria de seus livros.
Clarke vislumbra efetivamente um futuro onde o mundo se tornou uma aldeia global, mas nessa aldeia, as casas são todas limpas e assépticas. As histórias de seus livros não excluem guerras e catástrofes, mas os conflitos ocorreram no passado, e o homem soube aprender com seus erros e construir uma civilização mais avançada, sem fome e miséria, e onde a doença e a morte não foram erradicadas, mas estão praticamente sob controle. Mesmo os erros e as imperfeições são previstos e calculados. Um wishful thinking característico da ficção científica de caráter utópico, herdeira do pensamento de H.G.Wells – não por acaso um socialista científico, que acreditava que o progresso da ciência traria o bom senso às mentes dos cidadãos, e conseqüentemente a paz e o bem-estar geral a todas as sociedades humanas.

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