Sangue Pt. 4


Entro em uma sala grande, a parede do fundo está totalmente coberta por uma cortina, um pouco a frente da cortina há uma mesa grande de madeira e, sentado em uma poltrona, atrás da mesa o “pastor” olha para mim com um sorriso no rosto. Ao seu lado, seus jovens ajudantes assumem postura militar, dois de cada lado.
“Finalmente você chegou, meu filho, a muito aguardo esse momento, por favor sente-se.” - diz o pastor com sua voz melodiosa apontando para uma cadeira do lado oposto da mesa.
Sento-me lentamente na cadeira, olhando nos olhos do pastor. “Ducar, sirva um pouco de água para o nosso garoto.” - olho para traz e vejo o homem com sobretudo da biblioteca. Desta vez ele está sem chapéu e eu posso ver que seu rosto está coberto de cicatrizes de queimaduras, um de seus olhos é quase fechado, horrível. Ele pega uma jarra que está em cima de uma mesinha do lado direito da porta, e enche um copo com água. Ele me entrega o copo e eu não consigo desviar os olhos de seu rosto. “Exposição excessiva ao sol, he,he,he!” - diz o homem. “Cale-se Duncan!” – interrompe o pastor, “Não ligue para nosso velho amigo, após todos este anos, ele já não é mais o mesmo.”
Fico parado, segurando o copo, perdido em pensamentos, tentando colocar uma ordem lógica em toda essa loucura. “Por toda minha vida eu procurei uma mulher como sua mãe, foram décadas manipulando a linhagem genética de seus descendentes para gerar a mulher perfeita, a única capaz de dar luz ao meu progenitor... meu substituto.” O pastor falava andando de um lado para o outro da cadeira com o olhar fixo nos meus, e eu escutava cada vez mais perplexo. “Séculos atrás, quando os homens se uniram para as famosas caças às bruxas, eu e meus irmãos fundamos o Nefrati” – Neste momento ele abre a imensa cortina, uma ante-sala descobre-se a minha vista. Há uma grande pedra de mármore no meio, manchada de sangue. A mesa encontra-se dentro de um pentagrama com uma vela acesa em cada ponta. No fundo, incrustado na parede, o mesmo símbolo que vi no livro talhado em bronze e ouro, do tamanho de um homem.
“Desde então controlamos o destino da humanidade, como você deve ter lido no livro, temos pessoas infiltradas nos principais governos do planeta, nada escapa ao nosso controle. Fazemos o que for preciso para preservar nossa raça, agimos nas sombras, protegidos pela falsa imagem de semelhança com os humanos. Somos os filhos de Caim, imortais, proscritos pelas leis e religiões, puxamos as cordas das marionetes e esmagamos nossos inimigos como insetos. Nasci há dois mil e quinhentos anos, sou o mais novo dos três irmãos, vi Cristo agonizando na cruz, instruí Hitler nos tempos de guerra, sussurrei no ouvido de Sadan e forneci os alvos para os mísseis americanos na Tempestade do Deserto. Mas não sou tão puro como meus irmãos e meu sangue está perdendo a força com o decorrer das eras. Por isso, há séculos venho preparando um predecessor, alguém que pode assumir o fardo que carrego por séculos. Os avanços na medicina e na genética me permitiram criar o ser perfeito, juntei minhas células com as de meus irmãos e introduzi o resultado diretamente no óvulo fecundado de sua mãe, não podemos nos reproduzir como os inferiores, portanto tive que utilizar a inseminação.”
O copo tremia levemente em minha mão - estou sonhando... só pode ser um sonho, vou acordar a qualquer momento e este maluco desgraçado nunca vai ter aparecido na minha vida – pensei enquanto o pastor tomava fôlego, seus olhos permaneciam fixos nos meus, sentia-me incrivelmente calmo, algo na voz dele me fazia acreditar no que estava dizendo, por algum motivo que não conseguia compreender, aquelas palavras me deixavam feliz e excitado. E ele continuou seu discurso:
“Infelizmente sua mãe não conseguiu compreender a magnitude que lhe era reservada, infelizmente seu sangue mortal ainda carregava a ignorância de seus ancestrais. Ela fugiu carregando você no ventre, como se fosse possível fugir de nós. Sustentei sua loucura pelo tempo necessário, mas sabia até que ponto ela poderia chegar. Quando fui procurá-la para oferecer-lhe a assistência devida pois o parto estava próximo, ela preferiu se matar, e o pior, a cadela inferior tentou lhe matar... Admito que subestimei seu potencial, meu filho, cheguei a pensar que você havia morrido no ventre exposto de sua mãe. Isso me levou a abandonar o corpo sem vida da inferior para ser tratada pelos seus ou apodrecer em um beco sujo, não me importava mais.”
Ao dizer estas últimas palavras, os olhos do pastor emitiram um estranho brilho vermelho, e uma pequena luz de consciência começou a se formar em minha mente. Aqueles olhos, aonde eu vi... os sonhos, estes são os olhos dos sonhos, uma espécie de lembrança do ventre de minha mãe. Assassino desgraçado. Ele continuava a falar enquanto eu juntava as peças do quebra-cabeça – “Agora chegou a sua hora...” – minha doença de nascença... – “...você deve assumir seu lugar na organização...” – as últimas palavras de minha mãe... – “...para isso terá que renascer...” - ...o demônio... – “...abandonar definitivamente sua forma inferior...” - ...mate-o se for preciso... – “...assumir sua verdadeira natureza e tornar-se o mais poderoso entre nós, o escolhido!”
Suas palavras já não surtiam efeito sobre mim. Um ódio avassalador crescia dentro do meu ser, precisava parar com essa loucura, havia descoberto meu papel neste quadro macabro.
“Cale esta boca, assassino filho da puta!” – gritei batendo com o copo na mesa – “Não sei que tipo de idiota você pensa que sou para cair nesta merda de conversa de pastor...” – minha mente trabalhava depressa, sabia que estava em desvantagem e precisava de tempo para me recompor – “...vou sair por aquela porta e o primeiro que tentar me impedir vai ficar com a sola de minha bota marcada em sua cara para o resto da vida!”
Os ajudantes do pastor olhavam perplexos para minha direção, mas o pastor permanecia firme. – “Mais uma vez você me impressiona. Em toda minha existência, ninguém nunca foi capaz de resistir a minha voz...”

A água do copo escorria em um filete que finalmente chegou no fim da mesa e começou a gotejar...



...continua.

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